quarta-feira, 29 de junho de 2011

Solenidade de São Pedro e São Paulo




Celebramos hoje a Solenidade dos Apóstolos são Pedro e são Paulo, as duas colunas da fé católica. Pedro toma a dianteira da profissão de fé apostólica e recebe a cátedra da unidade da Igreja; Paulo leva a fé aos confins do mundo e estende a Igreja a todos os povos. Estas duas missões se condensam no ministério do Papa, cujo dia hoje celebramos. Por isso, devemos rezar de modo especial pelo Santo Padre o Papa Bento XVI, que se assenta na “cátedra” de Pedro, mas também percorre, com espírito paulino, o mundo, visitando seus irmãos e confirmando-os na fé.

Mensagem Doutrinal


1. Fé pessoal. Em Pedro ela é, talvez, um processo contínuo, desde o primeiro encontro com Cristo, à beira-mar da Galiléia, até o grito entusiasta de «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo», e o humilde reconhecimento: «Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo». No caso de Paulo, mais do que um processo, é uma irrupção, fulgurante, no caminho de Damasco. Essa fé em Jesus Cristo, que o encadeia com ataduras de liberdade, irá se aprofundando com os anos, e em suas cartas ele irá nos deixando pegadas dela: «Para mim, viver é Cristo, e morrer é lucro», «vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim». Nessa fé pessoal, incomovível, mais forte do que a morte, ambos fundam o seu ensinamento, seu testemunho e sua missão.

2. Mestre da fé. A primeira parte dos Atos dos Apóstolos mostra Pedro, sumamente ativo, pregando o kerigma cristão a judeus de Jerusalém e arredores e a pagãos, como é o caso da família de Cornélio. Proclama com vigor e sinceridade o que crê, e ensina o que viu, escutou e recebeu de seu Mestre e Senhor. Não tem nada próprio a dizer, só o mistério de Cristo que lhe é imposto com a força da evidência e da fé. Paulo tampouco tem nada próprio que dizer, mas só o que recebeu, como dirá aos coríntios. E quando, em algum caso, adiciona algo que não recebeu, ressalta que o faz segundo o Espírito de Cristo, que o possui e impulsiona a falar com autoridade.

3. Testemunhas da fé. As palavras, inclusive as mais sublimes, não serão acolhidas se forem somente palavras e não vida. A exemplo de Jesus, que deu a vida por todos em coerência com a sua pregação e doutrina, Pedro e Paulo culminarão o testemunho de vida cristã morrendo pela fé em que creram, que pregaram e que confessaram por toda a região mediterrânea. O martírio chega a ser, deste modo, o selo da autenticidade da sua fé, a prova segura, para nós, da verdade que eles nos comunicaram e da qual são igualmente colunas inquebrantáveis e perenes.

São Pedro e São Paulo,
Rogai por nós!

UT UNUM SINT!

Comunidade Ecumênica de Taizé?


Revista: "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Nº 195, Ano 1976, p. 113

Por Dom Estevão Bettencourt, Osb


Em síntese: O mosteiro protestante de Taizé é obra do Irmão Roger Schutz e seus companheiros. Roger Schutz, movido pelo desejo de propiciar a reconciliação entre os cristãos e, em geral, entre os homens divididos, houve por bem constituir, a partir de 1940, uma comunidade dedicada à oração, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos. A obra encontrou resistência durante os seus vinte primeiros anos, nos ambientes protestantes. Hoje em dia, porém, goza de estima e do apoio tanto dos protestantes como dos católicos; os Papas João XXIII e Paulo VI têm-lhe dado eloqüentes testemunhos de benevolência.

Os monges de Taizé restauraram no Protestantismo a prática dos votos religiosos: celibato de bens materiais e obediência. Dedicam algumas horas do dia à oração (comunitária e particular). Aplicam-se ao trabalho (manual e intelectual) para sobreviver e para auxiliar as pessoas e populações necessitadas: na América Latina, promoveram a operação "Esperança", que se destina a favorecer os mais pobres do continente. A fim de incentivar a sua obra de reconciliar, os irmãos de Taizé têm fundado pequenas Fraternidades fora de Taizé, na Europa e na América (inclusive na cidade de Vitória, ES, Brasil).

Os jovens têm sido fortemente atraídos pela mensagem de reconciliação e otimismo proveniente de Taizé. O afluxo dos mesmos ao mosteiro é vultuoso, principalmente nas férias de verão e de Páscoa. De 30/VIII a 1/IX/74 inauguraram o Concílio dos Jovens, que se protrairá por diversas sessões em várias partes do mundo durante alguns anos. Os temas do Concílio visam a despertar a juventude e, em geral, os homens de hoje para a responsabilidade que a história lhes impõe.

Em suma, Taizé é um sinal de esperança cristã em nossos dias.

Comentário : O movimento ecumênico visa à restauração da unidade entre os cristãos. Essa unidade foi violada por cismas sucessivos:

- em 431 e 451, separaram-se da comunhão da Igreja os nestorianos e monofisitas (que hoje constituem pequenas comunidades esparsas pelo Oriente);

- em 1054, sob o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla, separaram-se os bizantinos, arrastando consigo vários povos da Europa Oriental. São os cristãs chamados "ortodoxos" (ortodoxos, porque no séc. V não haviam caído nas heresias do nestorianismo e do monofisismo);
- em 1517, Lutero deu início ao movimento cismático protestante, que se continuou no Calvinismo, no Anglicanismo (ao menos na "Low Church") e nas denominações protestantes posteriores.

Frente a essas comunidades cristãs não católicas, existe a Igreja Católica, que se deriva, sem interrupção até hoje, de Jesus Cristo e dos Apóstolos.

Ora nos últimos tempos têm-se verificado tentativas numerosas de aproximação dos cristãos entre si. Uma das mais belas e alvissareiras é o mosteiro de Taizé, fundado por monges protestantes, mas aberto a todos os cristãos, na expectativa de um reencontro de todos na hora e nas circunstâncias que a Providência Divina houver por bem assinalar.

O mosteiro de Taizé, desde a sua fundação, há trinta e seis anos, vem chamando mais e mais a atenção do mundo cristão e não cristão por causa do ideal que representa. Eis por que nos propomos, nas páginas que se seguem, apresentar Taizé e as grande linhas de pensamento que inspiram a sua comunidade.

1. Origens e desenvolvimento

O fundador do mosteiro de Taizé é o Irmão Roger Schutz. Nasceu aos 12 de maio de 1915 na Provença (França) como filho de família protestante; seu pai, Charles Schutz, de origem suíça, era pastor. Desde cedo foi atraído pela Igreja Católica, como refere o próprio Roger Schutz:
"Quando eu tinha cinco anos, entramos numa Igreja católica. Tudo aí mergulhava na penumbra. A luz que iluminava a Virgem e a reserva eucarística, deixou em mim uma imagem até hoje inalterada" ("Ta fête soit sans fin", 30/05/69).
Quando o menino tinha treze anos, seus pais pensaram em mandá-lo estudar numa cidade vizinha, onde ficaria hospedado em casa de família. Poderiam escolher entre uma família protestante e outra católica. Esta era pobre, pois constava de uma viúva com numerosos filhos. Os pais de Roger eram propensos a ajudar essa viúva, pagando-lhe o preço da pensão do menino, mas hesitavam por causa da fé católica da viúva. Finalmente optaram pelo alvitre mais generoso, confiando a esta o seu filho protestante. Em conseqüência, Roger Schutz, em seus anos de formação, compartilhou o estilo de vida de uma família protestante (a sua) como também o de uma família católica.

Durante os seus anos de estudos na Universidade de Lausanne, o jovem protestante leu obras clássicas do Catolicismo, que nele foram aumentando as tendências ao ecumenismo. Estas desabrocharam na idéia de fundar uma comunidade religiosa que se dedicasse à causa da aproximação dos cristãos.

Em 1940, durante a segunda guerra mundial, Roger Schutz procurava um lugar onde estabeleceria a sua fundação. Na Borgonha, perto de Cluny (território francês não ocupado pelos alemães), o jovem idealista encontrou o vilarejo de Taizé, onde lhe apontaram uma casa favorável aos seus propósitos. Foi lá que Roger resolveu fixar-se. Começou então a sua obra, acolhendo os refugiados de guerra que o procurassem. Esta situação se prolongou por dois anos, quando em 1942 Roger Schutz teve que deixar Taizé, pois o território fora ocupado pelos alemães; retirou-se então para Genebra (Suíça), onde conheceu os seus primeiros discípulos: Max Thurian, Pierre Souvairam, Daniel de Montmollin. Em 1944 Roger, com seus três companheiros, voltou a Taizé, onde a comunidade começou a se dedicar a meninos vítimas da guerra e a prisioneiros alemães.

Na festa de Páscoa de 1949, os irmãos de Taizé, em número de sete, emitiram os votos que os consagravam para o resto da vida ao serviço do Senhor. Este passo se revestia de enorme significado. Com efeito, Martinho Lutero, que deu início à Reforma protestante em 1517, rompeu os seus votos religiosos e os condenou. Conseqüentemente, o protestantismo nunca conhecera vida monástica nem comunidades constituídas por votos religiosos. Os teólogos protestantes desaconselhavam aos irmãos de Taizé a introdução desse tipo de vida na Reforma, alegando que os votos eram contrários à liberdade sugerida pelo Espírito Santo. Não obstante, Roger Schutz e seus companheiros julgaram que deviam firmar seu gênero de vida mediante uma profissão religiosa, não somente para dar certa estabilidade à obra iniciada, mas também, e principalmente, para serem coerentes com o próprio Evangelho. Eis como o Irmão Roger Schutz expõe o seu pensamento:
"Muitas vezes nos fizeram a nós (Irmãos de Taizé_ esta pergunta: "Vocês adotaram esses três pontos (os votos de castidade, pobreza e obediência) para copiar o cenobitismo tradicional ?" Temos de responder logo que tentamos sinceramente não nos deixar impressionar pela experiência do passado. Quisemos apagar tudo para experimentar tudo de novo. E, apesar disto, encontramo-nos um dia diante da evidência: não podíamos sustentar a nossa vocação sem nos comprometer totalmente na comunhão de bens, na aceitação de uma autoridade, no celibato" ("Naissance de communautés dans l'Église de la Reforme", em "Verbum Caro" 1955, p. 20). ¹
Em 1951, foi pela primeira vez editada a "Regra de Taizé", que estipulava as estruturas e os objetivos do novo mosteiro. Em 1952, os irmãos de Cluny começaram a fazer fundações em territórios de missão. Em novembro de 1958, Roger Schutz foi recebido em audiência pelo Papa João XXIII, e em fevereiro de 1962 pelo Patriarca Atenágoras. Em 1964, a comunidade já contava 65 irmãos.

Os primeiros vinte anos do mosteiro de Taizé foram difíceis, pois os monges, tidos como inovadores do Protestantismo, não eram compreendidos pelos seus irmãos na Reforma. Todavia a figura e a obra do Papa João XXIII, que mais de uma vez recebeu e encorajou o Ir. Roger Schutz, contribuíram notavelmente para que a nova comunidade superasse os primeiros obstáculos de sua existência e se implantasse definitivamente. Durante o Concílio do Vaticano II (1962-1965) os Irmãos Roger Schutz e Max Thurian foram convidados a comparecer às sessões respectivas como observadores.

Nos dias 5 e 6 de agosto de 1962, foi inaugurada em Taizé a Igreja da Reconciliação, símbolo das aspirações ecumênicas que alimentam a comunidade monástica local. A construção desse templo deve-se a jovens alemães, que a quiseram empreender em sinal de expiação e reconciliação. À entrada da Igreja, lêem-se em francês, alemão e inglês os seguintes dizeres:

"Vós que entrais aqui, reconciliai-vos:
o pai com seu filho,
o marido com sua esposa,
o que crê com aquele que não crê,
o cristão com seu irmão separado".

É em vista de oferecer a todos os cristãos, e mesmo a todos os homens, uma ocasião de se aproximarem e unirem entre si que o mosteiro de Taizé existe primordialmente. É esta nota que o caracteriza no mundo inteiro.

Além disto, Taizé tem a vocação de servir aos homens também no plano material; os irmãos são úteis aos habitantes da região em que vivem, mantendo cooperativas agrícolas e pecuárias, dedicando-se à medicina e à saúde da população, trabalhando em olaria, pintura e confecção de vitrais. Em 1952 alguns monges foram enviados em missão entre os operários na região de Monceau-les-Mines; todavia esta experiência não durou muito. Dilataram seus horizontes até a América Latina: em 1962, organizaram uma coleta para atender às vítimas de um terremoto no Chile; em janeiro de 1963, o Ir. Roger Schutz lançou a "Operação Esperança" destinada a auxiliar as populações necessitadas do nosso continente; em conseqüência, no Brasil foi, entre outras coisas, distribuída gratuitamente uma edição do Novo Testamento.

Nos últimos dez anos, Taizé assumiu ainda outra faceta: tornou-se um ponto de convergência dos jovens. Estes vão ao mosteiro atraídos pela mensagem de esperança que daí decorre; muitos são protestantes, outros católicos e ainda outros são indefinidos e curiosos, à procura de uma resposta para as suas indagações. De 30 de agosto a 1º de setembro de 1974, teve início o chamado "Concílio de Jovens", do qual falaremos adiante.

Importa-nos agora realçar as notas principais da espiritualidade de Taizé, que, de resto, vêm a ser, em grande parte, as da vida monástica ou religiosa sempre vivida na Igreja Católica.


2. Taizé : as grande linhas de pensamento

2.1. O ideal e suas etapas

O ideal dos irmãos de Taizé é o da vida monástica, ou seja, o da consagração total ao Senhor; é a procura comunitária do Único e Definitivo em meio às coisas transitórias deste mundo. Para tanto, os monges se nutrem da espiritualidade bíblica e procuram viver segundo a Regra monástica, que estipula três grande atitudes interiores e exteriores: pobreza, castidade e obediência. Está claro que a fé dos monges de Taizé é a protestante; os membros da comunidade se recrutam entre as diversas denominações do Protestantismo: luteranismo, presbiterianismo, anglicanismo, congregacionanalismo...

Por conseguinte, o candidato que deseje incorporar-se ao mosteiro de Taizé, submete-se, antes do mais, a um período de três anos de formação (equivalente ao noviciado das comunidades católicas). Terminado esse prazo, o novo irmão, caso seja aceito pela comunidade, é admitido aos votos monásticos; estes são emitidos geralmente no decorrer da liturgia da manhã de Páscoa, depois da renovação das promessas do Batismo. O candidato prostra-se então por terra, enquanto a comunidade canta a Sl 125. A seguir, o Prior dirige-lhe uma exortação; o candidato profere os seus votos; troca o ósculo da paz com os irmãos; estes, por fim, lhe impõem as mãos em sinal de comunhão e partilha dos mesmos bens espirituais. Eis o texto dos compromissos que o monge de Taizé assume ao professar:

"- Queres, por amor a Cristo, consagrar-te a Ele com todo o teu ser...?

- Queres dedicar-te ao serviço de Deus, na nossa comunidade, em comunhão com os teus irmãos...?

- Renunciando a toda propriedade, queres viver com os teus irmãos não só na comunidade de bens materiais, mas também na dos bens espirituais, esforçando-te por abrir o teu coração? ...

- A fim de estares mais disponível a servir aos teus irmãos e a fim de te dares sem partilha ao amor de Cristo, queres permanecer no celibato?...

- Para que sejamos um só coração e uma só alma e para que a nossa unidade de serviço se realize plenamente, queres adotar as decisões tomadas em comunidade e expressas pelo Prior...?

- Vendo sempre o Cristo em teus irmãos, queres vigiar sobre eles nos dias bons e maus, na abundância e na pobreza, no sofrimento e na alegria...?"

Como se vê, os três votos de pobreza, castidade e obediência são enquadrados na moldura do amor a Cristo e do serviço a Deus e aos homens.

O Prior Irmão Roger Schutz explica o significado de cada um desses compromissos:
"Pela castidade desejamos ser homens de um só amor, de um só amor de Cristo,... homens de tal modo voltados para a esperança de Deus que desejam ter os braços abertos a todos e a tudo, ao universal, à catolicidade, ao ecumenismo... Aquele que se compromete na castidade do celibato, só a pode sustentar se vive na espera de Deus. Ser homem de um só amor é ser o homem que dá a sua vida, e por sua vida dá sinais do único amor de Deus que o anima".
Sobre a obediência diz o Prior:
"Em Taizé chegamos à conclusão de que a autoridade tem por função suscitar a unidade, reunir aqueles que sempre tendem a se dispersar ou mesmo, por vezes, a se opor.
 ...O que se impôs à nossa evidência dia após dia, é que a tarefa pastoral de quem recebeu função de autoridade... é a de tender a suscitar a unanimidade, uma anima, uma só alma na comunidade".
A respeito da pobreza, Ir. Roger Schutz faz as seguintes ponderações:

"Pobreza! Eis uma palavra que esfola os lábios. Redigindo a Regra de Taizé, não ousei utilizá-la; preferi falar de compromisso com a comunhão de bens; esta pode levar à pobreza.
Hoje, se ouso falar de vocação para a pobreza, faço-o porque a solidariedade com o mundo dos pobres se impôs a nós. E, apesar disto, fica sempre um mal-estar, pois no nosso Ocidente teremos sempre o pão sobre a mesa. O espírito de pobreza está nas antípodas da necessidade de segurança profundamente inscrita no nosso ser. Aquele que vive em espírito de pobreza, tem sua segurança em Deus; seu hoje é o de Deus. A pobreza em espírito fica sendo a atitude em que se realiza a nossa dependência em relação a Deus; no espírito de pobreza, sabemos que os dons pessoais - inteligência, sensibilidade, - ficam sendo muito relativos em relação ao dom por excelência (caridade)". 
As tendências da instituição monástica em Taizé voltam-se fortemente para a vida contemplativa ou a oração. O mosteiro dispõe de pequenas ermidas, nas quais os monges se podem retirar ou por alguns dias ou para passar a noite em oração. A prece e a solidão são atitudes cristãs que alimentam a grande expectativa do Definitivo, o qual porá fim ao provisório, ou ainda ... a expectativa do Senhor como Juiz e Consumador da história.

Passemos a uma segunda nota de espiritualidade de Taizé.

2.2. Ecumenismo e Reconciliação

O mosteiro de Taizé foi fundado sob o signo da procura da unidade entre os cristãos separados e, mais amplamente,... entre todos os homens divididos por rixas ou por preconceitos de raça, classe, religião... Essa tendência à unidade em Taizé foi notavelmente reforçada sob o pontificado do Papa João XXIII, que, da parte católica, exprimiu, com eloqüência singular, o apelo ao ecumenismo. Conservando-se protestantes, os irmãos de Taizé aspiram à unidade dos cristãos entre si "como e quando o Senhor a quiser".

Em vista de tão nobre fim, dedicam-se principalmente à oração. O Ofício litúrgico no mosteiro é celebrado três vezes por dia no coro: de manhã, ao meio-dia e à tarde; em certas datas, celebra-se também o Ofício de Vigílias, que é noturno. A Liturgia das Horas consta de textos bíblicos (salmos, leituras do Antigo e do Novo Testamento), cantos e preces, cujos dizeres fazem ressoar a espiritualidade cristã comum a católicos, protestantes e ortodoxos. Dessa oração participam numerosos visitantes e peregrinos, que não são curiosos, mas cristãos que desejam pedir em prol da unidade cristã...

A todos aqueles que vêm ter aqui, desejamos dizer e redizer incessantemente o que está inscrito no frontispício da Igreja: que o pai se reconcilie com o filho, o marido com a esposa, o crente com aquele que não pode crer, o irmão de uma confissão com o irmão separado.

De certo modo, a oração da nossa comunidade, em meio a esses peregrinos, consiste em dizer com eles: "Olha-nos, Senhor; vê o que somos hoje: divididos, separados pela história, incapazes de realizar a unidade". E eles que, na verdade, homens e mulheres vêm rezar aqui, pedindo a reconciliação de uma esposa com seu esposo, de um irmão com o seu irmão. E todas estas intenções de oração estão inscritas preto sobre branco e nos são confiadas. Levamo-las em nossa própria oração, certos de que o ecumenismo é a reconciliação. O ecumenismo começa sempre por essa reconciliação do homem com Deus e, depois, do homem com o homem, na família, profissão, na sociedade. É somente a partir dessas formas de reconciliação mais próximas que se pode caminhar em demanda da grande reconciliação universal de todos nós na Igreja una".

Como dito atrás, as aspirações ecumênicas dos monges de Taizé não foram devidamente entendidas nos seus primeiros vinte anos de existência, principalmente por parte de denominações protestantes. Atualmente, porém, o mosteiro é ponto de convergência e objeto de profunda estima para numerosas comunidades eclesiais protestantes, bispos luteranos e pastores de outras confissões cristãs dos países escandinavos, germânicos, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Verificou-se evidente mudança de mentalidade, que é certamente um dos frutos obtidos pela oração e o esforço dos monges de Taizé. Quanto aos fiéis católicos, costumam olhar com simpatia o movimento de Taizé, ao qual os Sumos Pontífices João XXIII e Paulo VI têm dado vivo apoio: é entrando em diálogo e procurando a aproximação que os cristãos derrubarão as barreiras humanas que os separam. A maneira como a unidade dos discípulos de Cristo se dará, não é objeto de discussão em Taizé, pois isto foge à alçada do programa dos monges e de seus visitantes; católicos e protestantes talvez encarem de maneiras diferentes essa questão. Como quer que seja, é somente o Espírito de Deus, com a sua graça, que pode restaurar a unidade dos irmãos separados, iluminando as inteligências e movendo os corações. E o Espírito há de ser invocado pela oração assídua: "Se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!" (Lc 11, 13).

A espiritualidade de Taizé, baseada, antes do mais, sobre a oração, se alimenta e exprime também pelo trabalho.

2.3. Trabalho

A comunidade de Taizé dedica-se intensamente ao trabalho, não só porque este é um fator de ascese e disciplina na vida dos monges, mas também porque, sendo pobres, os irmãos necessitam de exercer um ganha-pão. O dinheiro que eles assim adquirem não beneficia apenas a comunidade, mas também os semelhantes necessitados que os irmãos possam atingir.

As atividades dos monges são variadas.

Há os que se entregam à confecção de obras de arte: pintura, vitrais, cerâmica (certos artefatos de cerâmica de Taizé, por exemplo, têm sido levados a exposições internacionais, inclusive no Japão). Outros se dedicam à arte gráfica, atendendo ao setor de edições do mosteiro. Também o trabalho intelectual - estudo, redação e publicação de livros - interessa aos irmãos: alguns se aprofundam na teologia, principalmente na teologia ecumênica; outros pesquisam no setor da sociologia, considerando com olhar cristão as questões e conclusões da mesma.

A hospedagem de visitantes e peregrinos solicita outrossim o trabalho dos irmãos. Já que este setor é, por vezes, absorvente, bom número de amigos da comunidade colabora com os monges na recepção dos que batem à porta do mosteiro; estes são convidados à oração comunitária e, se possível, à participação da mesa fraterna. Ainda para receber os peregrinos em Taizé, há geralmente sacerdotes católicos e ortodoxos.

Dada a irradiação que o mosteiro vem tendo, foi necessário que os irmãos construíssem novas e novas dependências em torno do núcleo central. Não raro a mão-de-obra tem sido gratuita; alguns irmãos tomam parte da mesma.

A finalidade ecumênica do mosteiro faz também que os monges se desloquem freqüentemente, não raro em pequenos grupos de dois ou três e por um tempo mais ou menos longo Vão a países da Europa (Holanda, Alemanha, Escandinávia e Inglaterra), como também os Estados Unidos e à América Latina. Fundam pequenas Fraternidades em tais regiões, no intuito de propiciar reconciliação e renovação de vida entre os homens. No Brasil, os irmãos de Taize constituíram uma pequena Fraternidade junto ao mosteiro beneditino de Olinda (PE), mantendo boas relações com os monges de São bento e a população local. Passaram posteriormente para Vitória (ES), onde continuam até hoje, sem intenções proselitistas.

Não poderíamos terminar estas apreciações sem referir algo de mais explícito a respeito do movimento de jovens em Taizé.

3. Taizé e os jovens

3.1. O afluxo

A mensagem de reconciliação e otimismo proclamada pelos monges de Taizé tem encontrado eco particularmente significativo entre os jovens das diversas partes do mundo. Desde 1965 registra-se um afluxo crescente da juventude ao mosteiro de Taizé, principalmente por ocasião das férias de verão e de Páscoa. Em 1974, 19.000 jovens se encontravam em Taizé por ocasião da Páscoa.

Os observadores têm procurado indicar as causas precisas de tal afluxo: por que vão os jovens a Taizé com tanto interesse ?

Há quem responda que eles assim procedem porque gostam de viajar... e viajar como aventureiros. Poder-se-iam lembrar as aglomerações de jovens em Woodstock (ilha de Wight). Tal tendência a viajar exprimiria o desejo que os jovens têm, de fugir do mundo dos adultos ou da sociedade de consumo; seria, em outros termos, uma expressão de contestação. Ora inegavelmente Taizé é uma espécie de desafio ou contestação à sociedade de consumo. Lá não existe luxo; os visitantes não raro dormem sobre palha e comem precariamente.

Pode-se crer que essa mentalidade dos jovens explique, até certo ponto, o afluxo dos mesmos a Taizé. É o que se deduz, por exemplo, das palavras de Annick, peregrino em Taizé:

"A primeira vez que alguém vai a Taizé, creio que seja por curiosidade. Amigos, vizinhos voltam de lá entusiasmados, animados por nova força de vida e, não obstante, procuram não divulgar o que lá acontece".

Parece, pois, que a curiosidade e o desejo de estar na moda (de receber a cruz e a pedra azul de Taizé) explicam a primeira visita de muita gente ao mosteiro. Mas o fato de lá voltarem repetidamente já requer outra explicação. Esta parece consistir em algumas notas características de Taizé, que os jovens vão descobrindo aos poucos:

- a partilha. O ambiente de Taizé é estritamente comunitário, mesmo para os visitantes. Cada qual destes é incorporado a um grupo, onde há intercâmbio de idéias e valores humanos e cristãos; ora a descoberta desta realidade atrai;

- a oração. O ambiente de Taizé é fortemente marcado pelo espírito e a prática da oração. Os Ofícios litúrgicos convidam regularmente a esta; além disto, a calma e a beleza do lugar, o silêncio de certos recantos têm o mesmo efeito. É o que atesta Virgínia, visitante à qual muitos companheiros fariam eco: "Aqui encontrei de novo o sentido da oração e da contemplação".

Um jovem belga, movido primeiramente pela curiosidade, assim se exprimiu: "Havia sete anos que eu não entrava numa Igreja. Que silêncio ! Fiquei surpreso por não ver cadeiras. Quase tive vontade de puxar um cigarro... e rezar";

- engajamento ou compromisso. Em Taizé os jovens se conscientizam da missão que lhes cabe nesta fase da história e dispõem-se a agir.

Em conclusão, pode-se dizer que é a descoberta destes valores que, em última análise, prende os jovens a Taizé, de modo a explicar a crescente procura do mosteiro por parte da juventude.

3.2. O Concílio dos jovens

Vendo o interesse da mocidade por Taizé, o Prior do mosteiro, Ir. Roger Schutz, organizou em setembro de 1966 o primeiro Encontro Internacional dos mesmos. Nos anos seguintes, outros Encontros se realizaram, tendo sempre um tema próprio: "Viver", "Crer", "Um desafio: esperar". Diante do êxito obtido e por influência de Margarida Moyano, Secretária-Geral da Juventude Católica Latino-Americana, o Prior Ir. Roger Schutz resolveu lançar a idéia de um "Concílio de Jovens". Na Páscoa de 1970, uma equipe internacional de jovens anunciou a "Alegre Notícia" ... Todavia, antes da concretização da idéia, foi necessário proceder a uma série de preparativos: em diversas partes do mundo criaram-se grupos ou células destinados a refletir sobre a maneira de levar a termo a idéia com o máximo de êxito.

Finalmente na Páscoa de 1972 foi anunciada a data de realização do Concílio: agosto-setembro de 1974.

Com efeito, de 30 de agosto a 1º de setembro de 1974 uma multidão de 30.000 a 35.000 jovens, provenientes de 120 países, participou do grande Encontro. Este, porém, seria (e foi) apenas a primeira sessão do Concílio, que se protrairá por diversas sessões no decorrer de alguns anos, tomando sedes sucessivas nos vários continentes do globo. Os congressistas acamparam em tendas no vale próximo à colina de Taizé; nesse vale e na colina foram constituídos cinco centros de distribuição de refeições; vendiam-se também, em diversos lugares, alimentos, bebidas e utilidades a baixo preço. Os participantes do Congresso pagaram a sua diária, dentro dos moldes do seu possível; em geral, o Congresso e os congressistas procuraram autofinanciar-se, renunciando a doações. Muitos jovens fizeram horas "extra" de trabalho a fim de poder ganhar a sua subsistência no Congresso.

Os debates do certame levaram fortemente em considerações a situação angustiada de numerosos grupos e populações do globo; os representantes do terceiro Mundo relataram as condições de vida dos respectivos países, despertando assim os demais congressistas para o desafio da época aos cristãos e aos homens de boa vontade. O S. Padre Paulo VI, o Patriarca Dimitrios de Constantinopla (Istambul) e o Pastor Philip Potter, do Conselho Mundial das Igrejas, enviaram sua mensagem aos jovens reunidos, comunicando-lhes a orientação da fé neste momento, em que as posições extremistas exercem forte sedução.

Em conclusão, não se pode deixar de registrar a ação do Espírito Santo na comunidade de Taizé. Esta é realmente um sinal de reconciliação tanto para os cristãos como para todos os homens que desejem viver mais freqüentemente esta fase da história.


¹ Aliás, não é este o único testemunho de irmãos protestantes contemporâneos em favor dos votos religiosos. Sim; uma diaconisa protestante na África declarou:
"Quando uma jovem toma consciência desse convite de Deus a uma consagração total, deve fazer frente a três exigências muito precisas: a castidade, a pobreza e a obediência" (citada por Esnault, "Luther et lê monachisme acutel" p. 11, n. 1).
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Através do Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, o Papa Bento XVI relembrou os cinco anos (em 2010) do assassinato do Irmão suíço Roger Schultz, fundador da Comunidade de Taizé, na França, enviando uma mensagem à entidade ecumênica.

“Agora que entrou na alegria eterna, o querido Irmão Roger continua a falar-nos. Que o seu testemunho de um ecumenismo de santidade nos inspire no nosso caminho para a unidade e que a vossa Comunidade continue a viver e a fazer brilhar o seu carisma, especialmente junto das gerações mais jovens” - escreve o Pontífice na mensagem publicada no site da Comunidade.

“Incansável testemunha do Evangelho de paz e reconciliação, Irmão Roger foi um pioneiro no difícil caminho em direção à unidade entre os discípulos de Cristo” – prossegue Bento XVI, manifestando sua “proximidade espiritual e a sua união nas orações com a comunidade e com todos aqueles que participam das celebrações que recordam o irmão Roger”.

“Há 70 anos, ele deu início a uma comunidade que ainda vê chegar milhares de jovens provenientes do mundo todo, que buscam dar um sentido às suas próprias vidas, acolhendo-os na oração e permitindo que eles tenham uma relação pessoal com Deus”.

Roger Schütz-Marsauche foi morto em 16 de agosto de 2005, durante a oração noturna pública, por uma mulher de 35 anos, de origem romena, aparentemente desequilibrada, que se aproximou dele com uma faca. Ele tinha 90 anos. Cerca de 12.000 pessoas participaram do enterro do Irmão no dia 23 de agosto.

O Irmão Alois, sucessor do irmão Roger, recebeu nestes dias mensagens do Secretário Geral do Conselho Ecumênico das Igrejas, Olav Fykse-Tveit, do Secretário Geral da Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas (CMIR), Setri Nyomi, do Secretário Geral da Federação Luterana Mundial, Ishmael Noko, do Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams, do Patriarca Kirill, de Moscou, do Patriarca Bartolomeu, de Constantinopla.

Os cinco anos da morte do irmão Roger serão lembrados no próximo dia 14 de agosto, quando a Comunidade celebra também o septuagenário de fundação.

Cidade do Vaticano, 11 ago (RV)

Fonte:Radio Vaticana

Site da Comunidade de Taizé

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Por que sou Católico?

 por G.K. Chesterton

"O homem que tem fé há de estar preparado, não só para ser mártir, 
mas para ser um louco!" 

A dificuldade em explicar “Por que eu sou Católico” é que há dez mil razões para isso, todas se resumindo a uma única: o catolicismo é verdadeiro. Eu poderia preencher todo o meu espaço com sentenças separadas, todas começando com as palavras, “É a única coisa que …” Como, por exemplo, (1) É a única coisa que previne um pecado de se tornar um segredo. (2) É a única coisa em que o superior não pode ser superior; no sentido da arrogância e do desdém. (3) É a única coisa que liberta o homem da escravidão degradante de ser sempre criança. (4) É a única coisa que fala como se fosse a verdade; como se fosse um mensageiro real se recusando a alterar a verdadeira mensagem. (5) É o único tipo de cristianismo que realmente contém todo tipo de homem; mesmo o respeitável. (6) É a única grande tentativa de mudar o mundo desde dentro; usando a vontade e não as leis; etc.

Ou posso tratar o assunto de forma pessoal e descrever minha própria conversão; acontece que tenho uma forte impressão de que esse método faz a coisa parecer muito menor do que realmente é. Homens muito melhores, em muito maior número, se converteram a religiões muito piores. Preferiria tentar dizer, aqui, coisas a respeito da Igreja Católica que não se podem dizer mesmo sobre suas mais respeitáveis rivais. Em resumo, diria apenas que a Igreja Católica é católica. Preferiria tentar sugerir que ela não é somente maior que eu, mas maior que qualquer coisa no mundo; que ela é realmente maior que o mundo. Mas, como neste pequeno espaço, disponho apenas de uma pequena seção, abordarei sua função como guardiã da verdade.

Outro dia, um conhecido escritor, muito bem informado em outros assuntos, disse que a Igreja Católica é uma eterna inimiga das novas idéias. Provavelmente não ocorreu a ele que sua própria observação não é exatamente uma nova idéia. É uma daquelas noções que os católicos têm de refutar continuamente, porque é uma idéia muito antiga. Na realidade, aqueles que reclamam que o catolicismo não diz nada novo, raramente pensam que seja necessário dizer alguma coisa nova sobre o catolicismo. De fato, o estudo real da História mostrará que isso é curiosamente contrário aos fatos. Na medida em que as idéias são realmente idéias, e na medida em que tais idéias são novas, os católicos têm sofrido continuamente por apoiarem-nas quando elas são realmente novas; quando elas eram muito novas para encontrar alguém que as apoiasse. O católico foi não só o pioneiro na área, mas o único; e até hoje não houve ninguém que compreendesse o que se tinha descoberto lá.

Assim, por exemplo, quase duzentos anos antes da Declaração de Independência e da Revolução Francesa, numa era devotada ao orgulho e ao louvor aos príncipes, o Cardeal Bellarmine e Suarez, o Espanhol, formularam lucidamente toda a teoria da democracia real. Mas naquela era do Direito Divino, eles somente produziram a impressão de serem jesuítas sofisticados e sanguinários, se insinuando com adagas para assassinarem os reis. Então, novamente, os casuístas das escolas católicas disseram tudo o que pode ser dito e que constam de nossas peças e romances atuais, duzentos anos antes de eles serem escritos. Eles disseram que há sim problemas de conduta moral, mas eles tiveram a infelicidade de dizê-lo muito cedo, cedo de dois séculos. Num tempo de extraordinário fanatismo e de uma vituperação livre e fácil, eles foram simplesmente chamados de mentirosos e trapaceiros por terem sido psicólogos antes da psicologia se tornar moda. Seria fácil dar inúmeros outros exemplos, e citar o caso de idéias que são ainda muito novas para serem compreendidas. Há passagens da Encíclica do Papa Leão sobre o trabalho [conhecida como Rerum Novarum, publicada em 1891] que somente agora estão começando a ser usadas como sugestões para movimentos sociais muito mais novos do que o socialismo. E quando o Sr. Belloc escreveu a respeito do Estado Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão original que quase ninguém ainda percebeu do que se trata. E então, quando os católicos apresentam objeções, seu protesto será facilmente explicado pelo conhecido fato de que católicos nunca se preocupam com idéias novas.

Contudo, o homem que fez essa observação sobre os católicos quis dizer algo; e é justo fazê-lo compreender muito mais claramente o que ele próprio disse. O que ele quis dizer é que, no mundo moderno, a Igreja Católica é, de fato, uma inimiga de muitas modas influentes; muitas delas ainda se dizem novas, apesar de algumas delas começarem a se tornar um pouco decadentes. Em outras palavras, na medida em que diz que a Igreja freqüentemente ataca o que o mundo, em cada era, apóia, ele está perfeitamente certo. A Igreja sempre se coloca contra a moda passageira do mundo; e ela tem experiência suficiente para saber quão rapidamente as modas passam. Mas para entender exatamente o que está envolvido, é necessário tomarmos um ponto de vista mais amplo e considerar a natureza última das idéias em questão, considerar, por assim dizer, a idéia da idéia.

Nove dentre dez do que chamamos novas idéias são simplesmente erros antigos. A Igreja Católica tem como uma de suas principais funções prevenir que os indivíduos comentam esses velhos erros; de cometê-los repetidamente, como eles fariam se deixados livres. A verdade sobre a atitude católica frente à heresia, ou como alguns diriam, frente à liberdade, pode ser mais bem expressa utilizando-se a metáfora de um mapa. A Igreja Católica possui uma espécie de mapa da mente que parece um labirinto, mas que é, de fato, um guia para o labirinto. Ele foi compilado a partir de um conhecimento que, mesmo se considerado humano, não tem nenhum paralelo humano.

Não há nenhum outro caso de uma instituição inteligente e contínua que tenha pensado sobre o pensamento por dois mil anos. Sua experiência cobre naturalmente quase todas as experiências; e especialmente quase todos os erros. O resultado é um mapa no qual todas as ruas sem saída e as estradas ruins estão claramente marcadas, todos os caminhos que se mostraram sem valor pela melhor de todas as evidências: a evidência daqueles que os percorreram.

Nesse mapa da mente, os erros são marcados como exceções. A maior parte dele consiste de playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está eternamente aberta e indefinida. Mas o mapa definitivamente se responsabiliza por fazer certas estradas se dirigirem ao nada ou à destruição, a um muro ou ao precipício. Assim, ele evita que os homens percam repetidamente seu tempo ou suas vidas em caminhos sabidamente fúteis ou desastrosos, e que podem atrair viajantes novamente no futuro. A Igreja se faz responsável por alertar seu povo contra eles; e disso a questão real depende. Ela dogmaticamente defende a humanidade de seus piores inimigos, daqueles grisalhos, horríveis e devoradores monstros dos velhos erros. Agora, todas essas falsas questões têm uma maneira de parecer novas em folha, especialmente para uma geração nova em folha. Suas primeiras afirmações soam inofensivas e plausíveis. Darei apenas dois exemplos. Soa inofensivo dizer, como muitos dos modernos dizem: “As ações só são erradas se são más para a sociedade.” Siga essa sugestão e, cedo ou tarde, você terá a desumanidade de uma colméia ou de uma cidade pagã, o estabelecimento da escravidão como o meio mais barato ou mais direto de produção, a tortura dos escravos pois, afinal, o indivíduo não é nada para o Estado, a declaração de que um homem inocente deve morrer pelo povo, como fizeram os assassinos de Cristo. Então, talvez, voltaremos às definições da Igreja Católica e descobriremos que a Igreja, ao mesmo tempo que diz que é nossa tarefa trabalhar para a sociedade, também diz outras coisas que proíbem a injustiça individual. Ou novamente, soa muito piedoso dizer, “Nosso conflito moral deve terminar com a vitória do espiritual sobre o material.” Siga essa sugestão e você terminará com a loucura dos maniqueus, dizendo que um suicídio é bom porque é um sacrifício, que a perversão sexual é boa porque não produz vida, que o demônio fez o sol e a lua porque eles são materiais. Então, você pode começar a adivinhar a razão de o cristianismo insistir que há espíritos maus e bons; e que a matéria também pode ser sagrada, como na Encarnação ou na Missa, no sacramento do casamento e na ressurreição da carne.

Não há nenhuma outra mente institucional no mundo que está pronta a evitar que as mentes errem. O policial chega tarde, quando ele tentar evitar que os homens cometam erros. O médico chega tarde, pois ele apenas chega para examinar o louco, não para aconselhar o homem são a como não enlouquecer. E todas as outras seitas e escolas são inadequadas a esse propósito. E isso não é porque elas possam não conter uma verdade, mas precisamente porque cada uma delas contém uma verdade; e estão contentes por conter uma verdade. Nenhuma delas pretende conter a verdade. A Igreja não está simplesmente armada contra as heresias do passado ou mesmo do presente, mas igualmente contra aquelas do futuro, que podem estar em exata oposição com as do presente. O catolicismo não é ritualismo; ele poderá estar lutando, no futuro, contra algum tipo de exagero ritualístico supersticioso e idólatra. O catolicismo não é ascetismo; ele, repetidamente no passado, reprimiu os exageros fanáticos e cruéis do ascetismo. O catolicismo não é mero misticismo; ele está agora mesmo defendendo a razão humana contra o mero misticismo dos pragmatistas. Assim, quando o mundo era puritano, no século XVII, a Igreja era acusada de exagerar a caridade a ponto da sofisticação, por fazer tudo fácil pela negligência confessional. Agora que o mundo não é puritano mas pagão, é a Igreja que está protestando contra a negligência da vestimenta e das maneiras pagãs. Ela está fazendo o que os puritanos desejariam fazer, quando isso fosse realmente desejável. Com toda a probabilidade, o melhor do protestantismo somente sobreviverá no catolicismo; e, nesse sentido, todos os católicos serão ainda puritanos quando todos os puritanos forem pagãos.

Assim, por exemplo, o catolicismo, num sentido pouco compreendido, fica fora de uma briga como aquela do darwinismo em Dayton. Ele fica fora porque permanece, em tudo, em torno dela, como uma casa que abarca duas peças de mobília que não combinam. Não é nada sectário dizer que ele está antes, depois e além de todas as coisas, em todas as direções. Ele é imparcial na briga entre fundamentalistas e a teoria da Origem das Espécies, porque ele se funda numa origem anterior àquela Origem; porque ele é mais fundamental que o Fundamentalismo. Ele sabe de onde veio a Bíblia. Ele também sabe aonde vão as teorias da Evolução. Ele sabe que houve muitos outros evangelhos além dos Quatro Evangelhos e que eles foram eliminados somente pela autoridade da Igreja Católica. Ele sabe que há muitas outras teorias da evolução além da de Darwin; e que a última será muito provavelmente eliminada pela ciência mais recente. Ele não aceita, convencionalmente, as conclusões da ciência, pela simples razão de que a ciência ainda não chegou a uma conclusão. Concluir é se calar; e o homem de ciência dificilmente se calará. Ele não acredita, convencionalmente, no que a Bíblia diz, pela simples razão de que a Bíblia não diz nada. Você não pode colocar um livro no banco das testemunhas e perguntar o que ele quer dizer. A própria controvérsia fundamentalista se destrói a si mesma. A Bíblia por si mesma não pode ser a base do acordo quando ela é a causa do desacordo; não pode ser a base comum dos cristãos quando alguns a tomam alegoricamente e outros literalmente. O católico se refere a algo que pode dizer alguma coisa, para a mente viva, consistente e contínua da qual tenho falado; a mais alta consciência do homem guiado por Deus.

Cresce a cada momento, para nós, a necessidade moral por tal mente imortal. Devemos ter alguma coisa que suportará os quatro cantos do mundo, enquanto fazemos nossos experimentos sociais ou construímos nossas Utopias. Por exemplo, devemos ter um acordo final, pelo menos em nome do truísmo da irmandade dos homens, que resista a alguma reação da brutalidade humana. Nada é mais provável, no momento presente, que a corrupção do governo representativo solte os ricos de todas as amarras e que eles pisoteiem todas as tradições com o mero orgulho pagão. Devemos ter todos os truísmos, em todos os lugares, reconhecidos como verdadeiros. Devemos evitar a mera reação e a temerosa repetição de velhos erros. Devemos fazer o mundo intelectual seguro para a democracia. Mas na condição da moderna anarquia mental, nem um nem outro ideal está seguro. Tal como os protestantes recorreram à Bíblia contra os padres e não perceberam que a Bíblia também podia ser questionada, assim também os republicanos recorreram ao povo contra os reis e não perceberam que o povo também podia ser desafiado. Não há fim para a dissolução das idéias, para a destruição de todos os testes da verdade, situação tornada possível desde que os homens abandonaram a tentativa de manter uma Verdade central e civilizada, de conter todas as verdades e identificar e refutar todos os erros. Desde então, cada grupo tem tomado uma verdade por vez e gastado tempo em torná-la uma mentira. Não temos tido nada, exceto movimentos; ou em outras palavras, monomanias. Mas a Igreja não é um movimento e sim um lugar de encontro, um lugar de encontro para todas as verdades do mundo.


Disponível em inglês em Why I am a Catholic?

Natividade de São João Batista

Ut queant laxis Resonare fibris Mira gestorum Famuli tuorum Solve polluti Labii reatum Sancte Ioannes.


Para que teus servos, possam ressoar claramente a maravilha dos teus feitos, limpe nossos lábios impuros, ó São João.

Como a Santa Mãe de Deus, dele também se celebra a data de dois nascimentos: para a vida terrena, em 24 de junho, e para a vida eterna em 29 de agosto. 

Neste dia 24 de junho, os cristãos do Oriente e do Ocidente celebram o nascimento de São João Batista. Também coincide, nas duas tradições, a data em que se celebra o seu martírio em 29 de agosto. No Oriente bizantino, porém, as comemorações do grande Profeta e Precursor são sem dúvida mais numerosas. Com relação ao nascimento, os calendários bizantinos assinalam, no dia 23 de setembro, a data da concepção do “glorioso Profeta, Precursor João, o que batizou Jesus no Jordão”. Antigamente também os martirológios latinos registravam essa comemoração em 24 de setembro; porém a partir do século XV foi abolida. Na tradição oriental é comum iconografar São João Batista na forma de um Anjo. Com efeito “era mais que um homem”, como diz o evangelho, e a palavra “mensageiro” em grego aggeloV coincide com nossa tradução”. Sendo um dos santos mais venerados no Oriente bizantino, é compreensível que muitas sejam as formas de representá-lo em ícones: encontramo-lo representado sozinho, ou em episódios da sua vida, especialmente o da sua decapitação. João é filho de Zacarias que, por causa de sua pouca fé, tornou-se mudo, e de Isabel, aquela que era estéril. O nascimento de João Batista anuncia a chegada dos tempos messiânicos, nos quais a esterilidade se tornará fecundidade e o mutismo, exuberância profética. 

O profeta João Batista era filho do sacerdote Zacarias (da geração de Aarão) e da justa Isabel (da geração de Davi). Eles moravam perto de Hebron, nas montanhas, ao sul de Jerusalém. Ele era parente do Nosso Senhor Jesus Cristo por parte de sua mãe e nasceu 6 meses antes Dele. Conforme nos relata o Evangelho, o arcanjo Gabriel apareceu ao seu pai no templo, anunciando o nascimento do seu filho. E eis, na justa família de pais idosos, que não tiveram filhos, enfim nasce um filho que eles sempre pediram a Deus. 

Pela graça de Deus ele não foi morto no meio de milhares crianças massacradas em Belém e seus arredores. São João cresceu num deserto inóspito, preparando-se através de uma vida austera para a grande missão — jejuando, rezando e meditando sobre as coisas Divinas. Ele vestia uma veste rústica, de pêlos de camelo e um cinturão de couro, e comeu mel silvestre e gafanhotos. Ele permaneceu lá no deserto até, aos trinta anos, ser chamado pelo Senhor para a pregação ao povo judeu. 

Obedecendo à esta chamada, o profeta João foi até o rio Jordão, para preparar o povo para a recepção do esperado Messias (Cristo). Preparando-se para a festa de purificação, o povo costumava vir até o rio para as abluções rituais. E foi aqui que João começou pregar a eles a penitencia e o batismo para a remissão dos pecados. A essência de sua pregação visava a mostrar ao povo que antes de lavar o corpo, é necessário purificar-se espiritualmente, e desta maneira preparar-se para a aceitação do Evangelho. Naturalmente, o batismo de João ainda não era o batismo cristão, efetuado pela obra Divina. O sentido deste batismo era preparar o povo para o batismo futuro pela água e pelo Espírito Santo. 

Numa das orações o profeta João é comparado à uma estrela da manhã, que com o seu brilho excedia o brilho de todas as outras estrelas e anunciava a manhã do dia abençoado, iluminado pelo Sol espiritual de Cristo (Mal. 4:2). Quando a espera de Messias chegou ao seu ponto culminante, o Próprio Salvador do mundo, Senhor Jesus Cristo veio até João no rio Jordão para ser batizado. O batismo de Cristo foi acompanhado por fenômenos milagrosos — a descida do Espírito Santo na forma de um pombo e a voz de Deus Pai do céu: «Este é o Meu Filho amado...» 

Tendo recebido a revelação a respeito de Jesus Cristo, o profeta João dizia ao povo: «Este é o Cordeiro de Deus, que toma sobre Si os pecados do mundo». Quando dois dos discípulos de João ouviram isto, eles logo seguiam Jesus Cristo. Estes dois discípulos eram João o Teólogo e André, o Primeiro Chamado, irmão do Simão Pedro. 

Com o ato de batismo, o profeta João como que terminasse a sua missão profética. Ele não tinha medo de mostrar todos os vícios e pecados tanto dos homens simples, como dos poderosos. Por tudo isto ele logo sofreu. 

O rei Herodes Antipas (filho do Herodes Grande) mandou prender o profeta João e mete-lo na prisão porque o profeta o acusava de ter abandonado a sua legitima esposa (filha do rei da Arábia, Arefa) e convivendo em concubinato com a Herodíades. Herodíades era esposa do irmão de Herodes, Felipe. 

Herodes promoveu um banquete no dia do seu aniversário, do qual participaram muitos convidados. Salomé, filha da ímpia Herodíades, dançava uma dança sensual e Herodes, junto com os outros convidados, ficou tão fascinado, que jurou à Salomé cumprir qualquer desejo dela, até presenteá-la com a metade do seu reino. A bailarina, ensinada pela sua mãe, pediu lhe dar num prato a cabeça de João Batista. Herodes respeitava João como profeta e portanto entristeceu-se com este pedido. Porém, ele teve vergonha de quebrar o juramento e assim mandou o guarda para a prisão para decapitar o profeta. A cabeça do João foi entregue à moça, a qual levou-a até a sua mãe. Herodíades, após ter profanado a cabeça do santo, a jogou num lugar imundo. Os discípulos do João Batista sepultaram o corpo dele na cidade de Sebaste, na Samária. 

No ano 38 d.C. Herodes foi castigado pelo seu crime: o seu exército foi derrotado por Arefa, que empreendeu a campanha militar contra ele para vingar a desonra de sua filha, abandonada por Herodes por causa da Herodíades, e no ano seguinte, o imperador de Roma, Calígula, condenou Herodes e o deportou para uma prisão. 

Conforme a tradição, o Evangelista Lucas, que visitava várias cidades, pregando o Evangelho, levou consigo da Sebaste uma parte da relíquia do grande profeta — a sua mão direita. No ano 959, quando os maometanos conquistaram a Antioquia, (durante o reinado do imperador Constantino Porfirogenito), o diácono Jó trasladou a mão do Precursor da Antioquia para a Calcedonia, de onde ela foi levada para a Constantinopla e onde ela foi guardada até a tomada da cidade pelos turcos. Depois, a mão direita do são João Batista foi guardada em São Petersburgo, na igreja de Nosso Senhor Aquiropita, no Palácio de Inverno. 

A santa cabeça do são João Batista foi encontrada por uma mulher piedosa, Joana, e sepultada numa urna no monte das Oliveiras. Mais tarde, um asceta que estava cavando o solo, preparando o lugar para alicerces de uma nova igreja, achou a relíquia e a guardou consigo. Antes da sua morte, temendo a profanação por parte dos ímpios, ocultou-a na terra no mesmo lugar onde ela foi achada. Durante o reinado do imperador Constantino Grande, dois monges vieram para Jerusalém, para orar no Santo Sepulcro. São João Batista apareceu a um deles em sonho indicando, onde estava enterrada a sua cabeça. A partir desta data, os cristãos começaram a festejar o Primeiro Achado da cabeça do São João Batista. 

Foi sobre o João Batista que Jesus disse: «Entre os nascidos de mulher não existe profeta nenhum maior do que João Batista». João Batista é glorificado pela Igreja como «um anjo, apóstolo, mártir, profeta, círio e amigo de Cristo, o selo dos profetas e intercessor da velha e nova graça, e entre os nascidos, a mais venerável e luminosa voz do Verbo».

"Ele é que deve crescer, e eu diminuir" (Jo 3, 30)
Na louvada memória do justo,
tu, Precursor, és o testemunho do Senhor:
verdadeiramente, foste mais venerável do que os profetas,
pois recebeste a honra de batizar o Messias nas águas do rio; 
sofreste com alegria pela verdade,
anunciaste àqueles que estavam ainda no inferno 
a vinda de Deus feito Homem, 
que redime os pecados do mundo e nos dá a grande graça.





Orígenes, presbítero e teólogo, Homilia 6 
Admiremos João Batista por causa do seguinte testemunho: "Entre os filhos de mulher, ninguém ultrapassa João Batista" (Lc 7,28); ele mereceu ser elevado a uma tal reputação de virtude que muitas pessoas pensavam que ele era o Cristo (Lc 3,15). Mas há uma coisa ainda mais admirável: Herodes, o tetrarca, detinha poder real e podia fazê-lo morrer quando quisesse. Ora ele tinha cometido uma ação injusta e contrária à lei de Moisés ao tomar a mulher do seu irmão. João, sem ter medo dele nem fazer acepção de pessoas, sem dar importância ao poder real, sem recear a morte..., sem escamotear qualquer destes perigos, repreendeu Herodes com a liberdade dos profetas e condenou o seu casamento. Lançado na prisão por causa desta audácia, não se preocupou nem com a morte nem com um julgamento com sentença incerta mas, a partir do cárcere, os seus pensamentos iam para o Cristo que ele tinha anunciado. 
Não podendo ir em pessoa ao seu encontro, envia os seus discípulos para lhe trazerem informações: "Tu és aquele que deve vir ou temos que esperar outro?" (Lc 7,15). Notem bem que, mesmo na prisão, João ensinava. Mesmo naquele lugar ele tinha discípulos; mesmo na prisão, João cumpria o seu dever de mestre e instruía os seus discípulos, conversando sobre Deus. 
Nestas circunstâncias, levantou-se a questão de Jesus e João envia-lhe alguns discípulos... Os discípulos regressam e trazem ao mestre o que o Salvador lhes tinha encarregado de anunciar. Essa resposta foi para João uma arma para enfrentar o combate; morre com confiança e com grande coragem se deixa decapitar, seguro na palavra do próprio Senhor em como aquele em quem acreditava era verdadeiramente o Filho de Deus. Esta foi a liberdade de João Batista, aquela foi a loucura de Herodes que, aos seus numerosos crimes, acrescentou primeiro a prisão, depois o martírio de João Batista.



PAPA BENTO XVI 
ANGELUS 

Domingo, 24 de Junho de 2007
Solenidade da Natividade de São João Baptista 
Queridos irmãos e irmãs! 
Hoje, 24 de Junho, a liturgia convida-nos a celebrar a solenidade do Nascimento de São João Baptista, cuja vida está toda orientada para Cristo, como a da mãe d'Ele, Maria. João Baptista foi o precursor, a "voz" enviada para anunciar o Verbo encarnado. Por isso, comemorar o seu nascimento significa na realidade celebrar Cristo, cumprimento das promessas de todos os profetas, dos quais o Baptista foi o maior, chamado para "preparar o caminho" diante do Messias (cf. Mt 11, 9-10). 
Todos os Evangelhos iniciam a narração da vida pública de Jesus com a narração do seu baptismo no rio Jordão por obra de João. São Lucas situa a entrada em cena do Baptista com uma moldura histórica solene. Também o meu livro Jesus de Nazaré se inspira no baptismo de Jesus no Jordão, acontecimento que teve grande ressonância no seu tempo. De Jerusalém e de todas as partes da Judeia o povo acorria para ouvir João Baptista e fazer-se baptizar por ele no rio, confessando os próprios pecados (cf. Mc 1, 5). A fama do profeta baptizador cresceu a tal ponto que muitos perguntavam se era ele o Messias. Mas ele ressalta o evangelista negou-o decididamente: "Eu não sou o Messias" (Jo 1, 20). Contudo, ele permanece a primeira "testemunha" de Jesus, tendo recebido a indicação do Céu: "Aquele sobre Quem vires o Espírito descer e permanecer é que baptiza no Espírito Santo" (Jo 1, 33). Isto acontece precisamente quando Jesus, tendo recebido o baptismo, saiu da água: João viu descer sobre Ele o Espírito como uma pomba. Foi então que "conheceu" a plena realidade de Jesus de Nazaré, e começou a dá-lo a "conhecer a Israel" (Jo 1, 31), indicando-o como Filho de Deus e redentor do homem: "Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo 1, 29). 
De profeta autêntico, João deu testemunho da verdade sem condescendências. Denunciou as transgressões dos mandamentos de Deus, também quando os protagonistas eram os poderosos. 
Assim, quando acusou de adultério Herodes e Herodíades, pagou com a vida, selando com o martírio o seu serviço a Cristo, que é a Verdade em pessoa. Invoquemos a sua intercessão, juntamente com a de Maria Santíssima, para que também nos nossos dias a Igreja saiba manter-se sempre fiel a Cristo e testemunhar com coragem a sua verdade e o seu amor a todos.

Logo ao nasceres não trazes mancha, 
João Batista, severo asceta, 
Mártir potente, do ermo amigo, 
grande profeta. 

De trinta frutos uns se coroam; 
a fronte de outros o dobro cinge. 
Tua coroa, dando três voltas, 
os cem atinge.

Assim cingido de tanto mérito,
retira as pedras do nosso peito,
torto caminho, chão de alto e baixo,
torna direito.

Faze que um dia, purificados,
vindo a visita do Redentor,
possa em nossa alma, que preparaste,
seus passos pôr. 

A vós, Deus Único, o céu celebra,
Trino em pessoas canta também.
Mas nós na terra, impuros, pedimos
perdão. Amém.



Doce, sonoro, ressoe o canto, 
minha garganta faça o pregão. 
Solta-me a língua, lava-me a culpa, 
ó São João! 

Anjo no templo, do céu descendo, 
teu nascimento ao pai comunica, 
de tua vida preclara fala, 
teu nome explica. 

Súbito mudo teu pai se torna, 
pois da promessa, incréu, duvida: 
apenas nasces, renascer fazes a voz perdida. 

Da mãe no seio, calado ainda, 
o Rei pressentes num outro vulto. 
E à mãe revelas o alto mistério 
do Deus oculto. 

Louvor ao Pai, ao Filho unigênito, 
e a vós, Espírito, honra também: 
dos dois provindes, com eles sois 
um Deus. Amém.

Ó Deus, que suscitastes São João Batista, a fim de preparar para o Senhor um povo perfeito, concedei à vossa Igreja as alegrias espirituais e dirigi nossos passos no caminho da salvação e da paz. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. 


Fontes: